Thursday 10 January 2013

ivone

as pessoas gostavam de oferecer-te anjos.
entre nossa família-tribo brincávamos, crianças que sempre somos no natal, sobre quantos receberias nesse ano...
e sabes que, eu entendo quem o fazia. e fi-lo também. ofereci-te um anjo. porque os anjos, como tu agora, olham por quem lhes quer bem. porque os anjos, como tu até há tão pouco tempo, são donos de sorrisos intemporais, que nascem criança e permanecem meninos.
porque os anjos não morrem.
hoje viemos dizer-te adeus. viemos dizer-te até já.
adiamos quase sem notar esse momento, e partilhamos histórias de ti. e falamos entre nós de histórias outras, como se as partilhássemos também contigo. e aqui estás tu de facto, calada, quieta, talvez ainda a apalpar terreno nesse mundo onde agora estás, de onde nos não podes falar, mas de onde nos olharás sempre, para sempre, até que haja tempo de novo.
não nos enganemos: no fundo, no fundo, quem te conhece bem não pode deixar de sentir um brilhozinho escondido da dor, num canto do coração, quando pensa no reencontro por que tanto tempo esperaste. porque eu sei, e sabe mais gente, que a coca te recebe agora, de braços e sorrisos abertos.
claro que há quem nisso não acredite. a essas pessoas eu digo que fechem os olhos por um momento só e o imaginem, mesmo sem acreditar. verão que sorriem também.

mas isso não põe fim à saudade. que dói tanto, já... dói que se farta, ivone.
resta-nos por isso o consolo das lembranças, das memórias de ti.
no meio delas descubro num suave repente que... sabes...?
todos têm duas avós.
eu tive três.
e nem sabia.

como diz o bom povo irlandês, que visitaste há tão pouco,
"a morte deixa uma dor que ninguém sarará;
o amor deixa uma memória que ninguém roubará."

até já, ivone, minha prima, minha madrinha, minha quase-avó...
até outro tempo.
até outro lugar.